Tarifa de 50% anunciada por Trump ao Brasil é reação política que foge da lógica, dizem especialistas
Depois de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar nesta quarta-feira (9) uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras, estudiosos ouvidos pelo Valor avaliam que há forte componente político na decisão
“Parece uma reação política. Foge da lógica”, disse Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e senior fellow do Cebri.
Para ela, a carta enviada por Trump ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é “bem confusa” ao misturar questões de ordem política, como o tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e decisões do STF contra empresas de mídia, com a elevação de tarifas e medidas não tarifárias para o Brasil.
A especialista apontou erros na redação do texto, como a parte em que Trump diz que as tarifas são necessárias para corrigir os “muitos anos” de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil. Segundo o republicano, as tarifas causaram "déficits comerciais insustentáveis" aos Estados Unidos.
A balança comercial do Brasil é deficitária com os Estados Unidos, ou seja, o Brasil compra mais do que vende para o país americano. Em 2024, o déficit do Brasil com os EUA foi cerca de US$ 284 milhões. No primeiro semestre, a diferença entre exportações e importações Brasil-EUA saltou e chegou a US$ 1,67 bilhão
‘"Copia e cola"
“Essa frase aparece em todas as cartas enviadas por Trump até agora para os outros países. Ela deve ter sobrado no ‘copia e cola’ porque o Brasil é um dos poucos países relevantes que têm déficit com os EUA”, destacou.
Lia Valls, chefe do departamento de análise econômica da UERJ e pesquisadora associada do FGV Ibre, diz que “ninguém esperava” esse aumento de tarifa no caso brasileiro. A medida, diz, vai dificultar o comércio entre o Brasil e Estados Unidos. Para Valls, a negociação também será árdua porque a carta de Trump foi genérica do ponto de vista econômico e envolveu temas políticos.
“A margem de negociação é muito mais delicada porque você não tem muito como jogar com temas e questões econômicas."
Ela avalia que as tarifas não começariam a vigorar agora, mas em 1º de agosto como já anunciado para outros países, o que daria margem para o governo brasileiro negociar.
“Mas é uma negociação complicada, porque certamente o governo brasileiro não vai querer abrir mão da sua posição de não interferência em questões de soberania”, avalia.
A pesquisadora do FGV Ibre também ressaltou que Trump justifica as tarifas com “outros fins”. No caso brasileiro, começou com a defesa ao ex-presidente Bolsonaro feita por Trump e pela embaixada dos EUA no Brasil. Hoje, o Ministério das Relações Exteriores convocou o encarregado de Negócios da embaixada dos Estados Unidos, Gabriel Escobar, para esclarecimentos. “Essa tarifa, no caso específico do Brasil, é mais uma questão política”, diz.
Para o professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Amâncio Jorge de Oliveira, essas tarifas são atípicas na diplomacia e ocorrem em um “momento muito ruim” para o Brasil.
“A declaração deixa nítido um elemento de assuntos políticos domésticos vinculados à retaliação comercial, e isso é algo muito atípico na diplomacia”, afirma. “A notícia vem em um momento ruim, porque o Brasil está tentando ajustar a sua economia, e isso tem pressão inflacionária e política”, completa.
Na avaliação do professor, "fica muito claro que é uma ação de natureza política e eleitoral” e o histórico de boas relações entre Brasil e Estados Unidos não se mostra suficiente para superar a crise.
Ainda assim, o professor avalia que o Itamaraty vai tentar negociar: “Se houver uma insistência nessa questão política, eu acho que as relações só tendem a piorar”. O caminho, segundo ele, é buscar alianças para fazer um contrapeso aos EUA. “A menos que haja uma revisão imediata da postura norte-americana, é improvável que o Brasil não vá intensificar suas relações com o Brics. Não tem muito o que fazer
Comentários
Postar um comentário